Especialistas discutem “uberização” em evento no Recife

Na última quinta-feira (5), a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) ministrou o curso Futuro do Trabalho: os Efeitos da Revolução Digital na Sociedade. Realizado na sede da Procuradoria da República no estado, a atividade contou com a presença de autoridades ligadas à proteção ao trabalho e estudantes de Direito. A tutoria da capacitação é da procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco Vanessa Patriota.

Procuradora Vanessa Patriota foi responsável pela tutoria do curso
Procuradora Vanessa Patriota foi responsável pela tutoria do curso

 

As atividades da manhã ficaram por conta do consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Valerio de Stefano e do procurador do MPT no Rio de Janeiro Rodrigo Carelli, com a mediação da juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 6ª Região Viviane Souza.

Valerio de Stefano esclareceu diversos dos conceitos em geral apresentados na propaganda das empresas de serviços por aplicativo, mostrando realidades que têm passado despercebidas da sociedade. Ele falou de termos como “parceria” ou “compartilhamento” e afirmou que se empresas como a Uber tivessem uma relação de mera paridade com os motoristas, eles não teriam as contas excluídas quando estabelecem contato pessoal com o cliente, para posterior prestação de serviço independente, por exemplo.

“Eu, como italiano, tenho muito respeito pela pessoa que leva a pizza até a porta da minha casa, mas isso não me leva a considerá-la um empresário de direito próprio. A Uber vinha defendendo essa versão dos fatos e se anunciando como mera empresa de tecnologia da informação. Mas essa narrativa já foi derrotada inclusive no entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, que em 2017 julgou que a organização é, sim, empresa de transporte, o que permite que as autoridades nacionais do bloco exijam da empresa licenças de circulação semelhante à que se exige dos taxistas”, explicou Stefano.

 

A parte da manhã ficou por conta de Valerio de Stefano, Rodrigo Carelli e Viviane Souza
A parte da manhã ficou por conta de Valerio de Stefano, Rodrigo Carelli e Viviane Souza

 

De Stefano ainda chamou a atenção dos presentes para o cenário de retrocesso nos direitos trabalhistas de diversas nações ocidentais, que começa a se impor de forma sutil com a forma como o trabalho por aplicativo tem conseguido se estabelecer, não raro driblando a regulamentação dos Estados. O professor disse que a lógica encaminha os trabalhadores para a condição precária em que conseguem acesso à demanda conectada, mas para isso devem abrir mão de direitos básicos como descanso remunerado e seguro-acidente.

Na sequência, o procurador do MPT no Rio de Janeiro Rodrigo Carelli traçou um breve histórico dos modelos de produção na sociedade industrial, descrevendo a produção em larga escala do fordismo e o conceito de fabricação sob demanda do taylorismo. O procurador, então, convencionou o termo “uberismo” para ser usado em referência ao novo modo de produção que se desenha no trabalho on demand coordenado por algoritmos de empresas da tecnologia da informação.

Partindo desse ponto de vista, o procurador advogou pelo aperfeiçoamento tanto da legislação trabalhista quanto do entendimento judiciário frente aos modernos casos de trabalho por aplicativo. Carelli citou o filósofo austríaco Karl Polanyi para expressar que, sem a devida regulamentação do trabalho por aplicativos, a precarização do trabalhador poderá se tornar a regra a dominar mercados inteiros com uma concorrência desleal que cedo ou tarde transformará todo o sistema produtivo em um “moinho satânico de homens”.

Ponto alto da fala do procurador Rodrigo Carelli foi quando chamou a atenção dos presentes para o fato de que o debate em foco no curso é de importância fundamental para toda a sociedade, transcendendo bandeiras políticas. “Isso daqui não é coisa nem de comunista, nem de esquerdopata. Essas são preocupações essencialmente capitalistas, já que o sistema precisa se manter saudável e longevo, e já que o trabalhador precarizado e miserável não comprará nada. São preocupações conservadoras”, complementou.

Na parte da tarde, as aulas foram ministradas pelo professor da Faculdade de Direito do Recife Carlo Benito Consentino Filho e pela professora da pós-graduação em Direito do Trabalho da Universidade Católica do Rio de Janeiro Ana Carolina Paes Leme, com mediação do conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco Leonardo Camello. No mesmo bloco foi exibido o filme GIG - A Uberização do Trabalho, premiado na avaliação do público da Mostra Ecofalante de Cinema, em São Paulo.

 

Presenças
Estavam inscritos e presentes no curso, representando o MPT em Pernambuco, a vice-procuradora-chefe da unidade, Lívia Viana de Arruda, e a procuradora Lorena Bravo; além dos procuradores Augusto Grieco e Lorena Porto, ambos do MPT em São Paulo; Tiago Moniz Cavalcante, do MPT em Alagoas, e Janine Fiorot, da unidade do órgão no Espírito Santo. Outra presença ilustre entre os alunos foi o deputado estadual João Paulo, que na semana passada recebeu audiência pública sobre o tema na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.