MPT leva à Alepe tema da precarização do trabalhador por aplicativos
O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco participou da audiência pública A precariedade da relação de trabalho dos entregadores por aplicativo, realizada pela Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe). O evento, realizado na última quarta (28), foi aberto ao público e contou com a presença de motoristas por aplicativo que trabalham no Grande Recife, além de representantes de empresas e associações profissionais ligadas ao setor e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco.
O MPT foi representado pela procuradora do Trabalho Vanessa Patriota, que tem dedicado especial atenção ao tema, inclusive com a publicação de artigos e a produção de curso sobre o assunto, no âmbito da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). A audiência coletiva foi conduzida pelos deputados estaduais João Paulo e Jô Cavalcante. O evento também contou com a presença do presidente da Associação de Motofretistas com Aplicativos (Amap) em Pernambuco, Rodrigo Lopes.
A procuradora Vanessa Patriota iniciou o tempo de fala com a exibição do documentário GIG - A uberização do trabalho, de Carlos Juliano Barros, Caue Angel e Maurício Monteiro. Em seguida, ela explicou que se convenciona usar o termo “uberização” para o trabalho on-demand por aplicativo, por ser a Uber uma das organizações mais expressivas nessa forma de trabalho. Ela defendeu que o trabalho por aplicativos, embora seja anunciado como uma parceria, e não como um vínculo empregatício, pode constituir, sim, relação de emprego.
“A ausência de comandos pessoais causa a impressão de que o trabalhador tem autonomia, mas esta é controlada pelo algoritmo, em processos como a pontuação do motorista e o prazo máximo que ele pode ficar sem usar o sistema antes de ser punido com redução no acesso à demanda”, afirmou a procuradora. “O que acontece é que já não há a figura do chefe pessoal, em contato direto com o trabalhador, e já não há o local de trabalho fixo. A personalidade do patrão agora fica oculta, pulverizada em milhares de clientes, enquanto que a empresa está em todos os lugares. Saímos dos Tempos Modernos de Chaplin e entramos nos tempos de Black Mirror”, acrescentou.
A procuradora lembrou ainda a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) brasileira. Segundo a norma, “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio” (CLT, Art. 6º, parágrafo único).
Ela ressaltou que as condições do trabalho por aplicativo aproximam-se de um período anterior ao surgimento do Direito do Trabalho, quando os trabalhadores, todos os dias, colocavam-se à disposição das empresas, aguardando convocações, aceitando o que lhes era concedido, sem limites à exploração. “As empresas de trabalho on-demand por aplicativo assumem uma aura de modernidade graças às novas tecnologias, mas estão imbuídas das velhas práticas desumanas de um passado que insiste em sobreviver. Nessas condições, repete-se o mantra de que é melhor ter qualquer trabalho do que não ter nenhum. Isso não passa do privilégio da servidão”, disse Vanessa, ao lembrar as reflexões do sociólogo Ricardo Antunes.
“A uberização é claramente uma força monopolista e precarizante que atinge toda a coletividade. Isso é assim porque, na medida em que uma empresa consegue driblar vários encargos trabalhistas previstos em lei, ela insere no mercado a concorrência desleal. É nesse contexto que as demais empresas acabam tendo de escolher: ou vão perder mercado, ou passarão a precarizar também os próprios funcionários. Assim, muitas chegam a demitir pessoas e mesmo a fechar as portas”.
A observação da procuradora inclusive foi corroborada pelo depoimento de Antônio Câmara, que estava presente na audiência pública e que é responsável por empresa do setor de entregas no Recife pós-uberização. “Em menos de um ano minha empresa teve que reduzir pela metade o efetivo: fomos de 400 para 200 motoqueiros em tempo recorde, porque tem sido difícil disputar mercado com grupos que, por exemplo, não precisam assinar carteira, pagar férias, décimo-terceiro salário”, afirmou.