MPT reprova acordos trabalhistas que impõem prestação de serviços comunitários como forma de pagar dívidas processuais
Brasília - O Ministério Público do Trabalho publicou nesta quinta-feira, 24 de setembro, uma nota técnica em que manifesta total reprovação à possibilidade de serem homologados acordos judiciais que estabeleçam a prestação gratuita de serviços comunitários a trabalhadores como alternativa ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais, o que se assemelha à servidão por dívida.
Segundo os titulares da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONAETE) do MPT, que assinam a nota, “transações dessa natureza representam gravíssimas transgressões à ordem jurídica de proteção ao trabalho e a direitos humanos, fundamentais e indisponíveis dos cidadãos trabalhadores”.
O documento reforça que na lei brasileira não é possível a prestação de serviços pelo trabalhador para pagamento de dívidas. Tal obrigação é prevista em nosso direito apenas como medida alternativa para penas restritivas de liberdade em condenações por crimes com penalidades superiores a seis meses de reclusão.
Para o procurador Italvar Medina, vice-coordenador nacional da CONAETE, “a imposição desta obrigação em acordos trabalhistas corresponde a uma verdadeira criminalização do exercício do direito de ação, além de rememorar modalidades de servidão já proscritas, na República Romana, pela Lex Poetelia Papiria de Nexis, de 326 A.C., e atualmente vedadas pelo ordenamento jurídico pátrio”.
A nota técnica também aponta outras ilicitudes que ferem direitos fundamentais garantidos na Constituição de 1988, como: a ofensa às regras previstas para a cobrança de custas processuais e honorários sucumbenciais, a violação à liberdade profissional e a impossibilidade de se transferir a dívida civil para a pessoa do trabalhador devedor.
Conforme destaca a procuradora Lys Sobral, coordenadora nacional da CONAETE, “permitir esse tipo de acordo é afastar direitos humanos e fundamentais – logo, indisponíveis, irrenunciáveis e inalienáveis – resguardados pela Constituição de 1988, pela legislação infraconstitucional e por tratados internacionais subscritos pelo Brasil”.
Ela alerta ainda que o Brasil recentemente foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2016, no caso da Fazenda Brasil Verde, que tratou de trabalho escravo, de servidão por dívidas, e também de discriminação por posição social, em ofensa à Convenção Americana de Direitos Humanos.
Para a Conaete, o tipo de acordo de que trata a nota também pode caracterizar discriminação por posição econômica ou condição social, já que o(a) trabalhador(a) beneficiário da justiça gratuita não pode sofrer o processo de execucão nem ser obrigado à prestação de serviços.
"É preciso, assim, que o Brasil se empenhe em cumprir a sentença do Caso Brasil Verde e evite novas condenações, que trazem enorme constrangimento para o país internacionalmente”, afirma a coordenadora nacional da CONAETE.
Dessa forma, o MPT considera que caso ocorra a homologação de acordos judiciais que obriguem os trabalhadores a prestar serviços comunitários como método alternativo para o pagamento de qualquer despesa processual, tal medida deve ter sua nulidade reconhecida, com o devido ressarcimento aos trabalhadores vítimas de violações a direitos fundamentais.
Confira a nota técnica, na íntegra, aqui.